Reencontro

Encontrei hoje um velho amigo.

Há muito que o perdera de vista mas soube-me bem revê-lo.

O  Leónidas detestava a sua graça – “nome de inspector”, dizia,

mas era generoso, desengonçado e directo:

beirão como eu, mas não como eu aculturado de lisboeta;

Abraçámo-nos e falámos muito, sem recordações lamechas, centrados no hoje e no amanhã:

o Leónidas, já não comunista porque ainda comunista,

eu, ainda  socialista porque já não socialista.

Essa a grande “diferença” que nos faz próximos e quase irmãos.

Um dia, estaremos outar vez nas barricadas.

Longe dos outros, ainda iguais a ontem.

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Soneto do amor difícil

A praia abandonada recomeça
logo que o mar se vai, a desejá-lo:
é como o nosso amor, somente embalo
enquanto não é mais que uma promessa…

Mas se na praia a onda se espedaça,
há logo nostalgia duma flor
que ali devia estar para compor
a vaga em seu rumor de fim de raça.

Bruscos e doloridos, refulgimos
no silêncio de morte que nos tolhe,
como entre o mar e a praia um longo molhe
de súbito surgido à flor dos limos.

E deste amor difícil só nasceu
desencanto na curva do teu céu.

David Mourão Ferreira